DIÁSTASE DE RETOS ABDOMINAIS

DIÁSTASE DE RETOS ABDOMINAIS

A diástase abdominal, também conhecida como diástase do reto abdominal (DRA), é a separação parcial ou completa dos músculos retos abdominais (aqueles músculos que quando bem desenvolvidos fazem o abdome ficar em forma de “tanquinho”) na linha média do abdome.

A diástase abdominal é muito comum durante e após a gravidez, sendo este o fator mais comum para seu aparecimento. Isso ocorre porque o útero em crescimento força e “esgarça” os músculos do abdome, provocando a separação dos retos abdominais. Isso faz com que quanto maior a quantidade de gestações, maior é a presença de diástase no seu fim e a persistência no período pós-parto. Até 66% das mulheres podem desenvolver diástase durante a gravidez (principalmente no 3ºtrimestre). No período pós-parto, sem a pressão exercida pelo útero aumentado de tamanho, a musculatura vai “voltando” aos poucos para a linha média novamente, entretanto, 33% das mulheres persistem com diástase mesmo após 1 ano do fim da gestação. O risco de desenvolver diástase durante a gestação também aumenta quanto maior for o feto, quanto maior for o ganho de peso na gestação e maior a idade.

A ocorrência da diástase do reto abdominal não se limita à gravidez. Ela pode afetar qualquer pessoa, incluindo bebês recém-nascidos (musculatura ainda não está plenamente desenvolvida) e principalmente homens geralmente de meia-idade e mais velhos com obesidade central (no abdome) e fraqueza muscular no abdome. Em alguns casos, pode resultar do levantamento incorreto de pesos ou da realização de exercícios abdominais excessivos ou de forma errada.

COMO SURGE
Para entender o que causa a diástase dos retos abdominais é preciso antes conhecer um pouco da anatomia da musculatura abdominal, incluindo o que são os músculos retos abdominais e a linha alba.

O músculo reto do abdome ou reto abdominal é um músculo que corre verticalmente em cada lado da parede anterior do abdome. Eles são dois músculos paralelos, que se encontram na linha média do abdome e são separados por uma faixa de tecido conjuntivo semelhante a um “tendão”, chamada linha alba.

Músculo reto abdominal e linha alba A diástase do reto abdominal (DRA) ocorre quando os músculos reto abdominais se separam, afastando-se na linha média. No entanto, há controvérsias a respeito do que constitui uma distância interretus (DRI) normal, em que nível as medidas devem ser tomadas, por quais meios e quando a distância entre os músculos pode ser considerada anormal. 
Geralmente, consideramos anormal qualquer separação superior a 2 cm.


TIPOS DE DIÁSTASE ABDOMINAL
Existem diversas classificações, e embora na literatura possam ser encontrados relatos de caso de diástase medindo até 22 cm, mesmo diástases pequenas podem ser visíveis clinicamente no exame físico. A classificação proposta por Ranney divide em:
• Pequena: < 3 cm
• Moderada: de 3 a 5 cm
• Severa: > 5 cm

Felizmente, menos de 1% das pacientes possui diástase severa. A região mais cometida é ao redor do umbigo, em 52% dos casos, seguida pela supra-umbilical em 36% e a menos frequente é a infra-umbilical em 11%. Esta última quase nunca se apresenta isolada, e é mais frequente em mulheres que não praticam atividade física.

SINTOMAS

            Este possivelmente é o tema mais “polêmico” em relação à diástase de retos. A diástase do reto abdominal pode ou não estar associada a sintomas, e na grande maioria das vezes, a queixa da(o) paciente é exclusivamente estética. A separação excessiva dos músculos abdominais pode comprometer a função da parede abdominal anterior de sustentação das vísceras abdominais e tornar-se evidente através de uma protusão visível (abaulamento) na linha média do abdome. A protusão da diástase abdominal costuma ficar aparente quando o paciente realiza qualquer manobra que aumente a pressão intra-abdominal, “empurrando para fora” o conteúdo no interior da barriga.

            Existem estudos retrospectivos mostrando que paciente com diástase, possuem uma prevalência maior de dor miofascial, dor lombar e problemas relacionados à disfunção da musculatura do assoalho pélvico (incontinência urinária, constipação ou incontinência fecal e prolapso de órgão pélvico). Mas é importante salientar que estes estudos mostram uma associação entre as patologias e não que estes problemas tenham sido causados pela diástase! É compreensível que se existe protrusão da parede abdominal para frente através da diástase ou mesmo pela fraqueza de afilamento da musculatura, o centro de gravidade do corpo ponde mudar, sobrecarregando a musculatura posterior e coluna lombar (mesmo motivo da dor lombar durante a gravidez). Entretanto, nas disfunções do assoalho pélvico, a mesma causa que levou à fraqueza da musculatura pélvica provavelmente também causou a diástase, sendo assim, ambas são consequência e não uma causadora da outra.

DIÁSTASE PODE SE TORNAR UMA HÉRNIA?

            Apesar de ser visualmente parecida, a diástase do reto abdominal não é uma hérnia da parede abdominal; não há defeito (“buraco”) na fáscia que recobre o abdome, portanto, não há risco de encarceramento ou estrangulamento. No entanto, a hérnia abdominal pode coexistir com diástase abdominal, principalmente se houver história de uma laparotomia anterior.

            A diástase representa uma fraqueza muscular na região abdominal e pacientes com diástase de retos abdominais têm maior tendência ao desenvolvimento de hérnias abdominais, especialmente a hérnia umbilical e epigástrica. Além disso, a correção cirúrgica somente da(s) hérnia(s) quando existe diástase importante, aumenta o risco de recidiva da hérnia em até 4 vezes.

            A avaliação médica, portanto, é fundamental para verificar a extensão do problema e possíveis associações com hérnias que demandam tratamento para evitar complicações.

Diástase dos músculos retais ao redor do umbigo
Diástase dos músculos retais ao redor do umbigo

COMO SABER SE TENHO DIÁSTASE ABDOMINAL?

            Exemplos de manobras que tornam a diástase dos retos evidente são: 

  • Levantar a cabeça e começar a se sentar.
  • Ficar deitado e levantar levemente o tronco como se fosse fazer um exercício de abdominal.
  • Deitar, flexionar levemente o pescoço e soprar fortemente contra as costas da mão de forma a aumentar a pressão intra-abdominal.
  • Deitar, flexionar levemente o pescoço e exalar forçadamente o ar contra os lábios fechados e com o nariz tapado (manobra de Valsalva).
Diástase abdominal aparente através de protusão

A diástase do reto abdominal costuma ser diagnosticada com base em um simples exame físico, com as manobras de semiflexão do tronco que explicamos anteriormente.

            As medidas da distância entre os músculos retos abdominais podem ser efetuadas em repouso e durante a contração em vários níveis ao longo da linha alba para determinar se elas são anormais. Porém, isso é pouco feito na prática médica, pois não há consenso sobre a melhor forma de realizar essa medição, nem quais são os melhores instrumentos para realizar tais medidas.

            Se o diagnóstico for questionável, a ultrassonografia é um método simples que pode ser usado para confirmar a diástase e excluir outras fontes para a protuberância. A tomografia computadorizada do abdome também pode ser usada para determinar com precisão a distância entre os retos e definir melhor a anatomia da parede abdominal.

É POSSÍVEL PREVENIR A DIÁSTASE PÓS-PARTO?

            Nem sempre é fácil prevenir que essa situação se desenvolva. Isso dependerá muito de características da mulher e da sua gestação, mas a realização de atividade física durante a gravidez tende a diminuir a incidência ou a gravidade do problema.

TRATAMENTO

            Como a diástase abdominal não é uma forma de hérnia abdominal, ela não necessariamente requer algum tipo de tratamento, principalmente as de pequeno tamanho. As opções de tratamento dependem diretamente da gravidade da diástase de retos abdominaise se está ou não associado a uma hérnia abdominal ou a flacidez/excesso de pele.          

            Além da prática de exercícios e do combate ao sedentarismo, há outras formas de tratar o problema da diástase pós-parto. A primeira é o acompanhamento com fisioterapeutas, que poderão ajudar no fortalecimento muscular e no reajuste do organismo para que esse objetivo seja alcançado. O acompanhamento nutricional também pode ser interessante, especialmente, para ajudar na perda de peso. O sobrepeso é um dos fatores que dificultam a resolução do problema com a diástase. Por fim, há também a cirurgia, proposta apenas para casos mais graves. Nela, o cirurgião aproxima os músculos, mas essa não é uma intervenção recomendada para todas as mulheres.

            As abordagens incluem:

  • Realização de exercícios e fisioterapia orientados com foco na correção de diástase leve;
  • Cirurgia reparadora da diástase;
  • Cirurgia para correção da diástase em associação com a cirurgia de hérnia;
  • Cirurgia para correção da diástase em associação com cirurgia plástica.

A correção da diástase com ou sem hérnia pode ser feita de maneira minimamente invasiva através da cirurgia por videolaparoscopia ou robótica. Apenas um especialista poderá avaliar a extensão do caso e, assim, indicar qual o tratamento para diástase de retos abdominais mais adequado ao caso.

ORIENTAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

            A cirurgia minimamente invasiva (videolaparoscopia ou robótica) para correção da diástase abdominal proporciona ao paciente uma recuperação precoce e com menos dor pós-operatória, se comparada ao método tradicional, além de um excelente resultado estético (3 pequenas cicatrizes de 0,5 a 1,0 cm na altura da cicatriz da cesárea).

            Os pacientes devem evitar atividades de força abdominal ou pegar peso nos primeiros 30 dias. Após este período, podem iniciar exercícios abdominais controlados (isométricos e hipopressivos) sob orientação e acompanhamento. Somente após 60 dias os pacientes voltam as atividades físicas sem restrições.

            Além disso, recomendo fazer taping na primeira semana, e iniciar precocemente terapias de drenagem manual e uso de cinta abdominal (ou body) nas primeiras 4 semanas após a cirurgia.

Referências

  • Rectus abdominis diastasis – UpToDate.
  • Anatomy of the abdominal wall – UpToDate.
  • Jessen ML, Öberg S, Rosenberg J. Treatment Options for Abdominal Rectus Diastasis. Front Surg. 2019 Nov 19;6:65. doi: 10.3389/fsurg.2019.00065. PMID: 31803753; PMCID: PMC6877697.
  • Emanuelsson P, Gunnarsson U, Dahlstrand U, Strigård K, Stark B. Operative correction of abdominal rectus diastasis (ARD) reduces pain and improves abdominal wall muscle strength: A randomized, prospective trial comparing retromuscular mesh repair to double-row, self-retaining sutures. Surgery. 2016 Nov;160(5):1367-1375. doi: 10.1016/j.surg.2016.05.035. Epub 2016 Jul 27. PMID: 27475817.
  • Hernández-Granados P, Henriksen NA, Berrevoet F, Cuccurullo D, López-Cano M, Nienhuijs S, Ross D, Montgomery A. European Hernia Society guidelines on management of rectus diastasis. Br J Surg. 2021 Oct 23;108(10):1189-1191. doi: 10.1093/bjs/znab128. PMID: 34595502; PMCID: PMC10364860.
  • Benjamin DR, Frawley HC, Shields N, van de Water ATM, Taylor NF. Relationship between diastasis of the rectus abdominis muscle (DRAM) and musculoskeletal dysfunctions, pain and quality of life: a systematic review. Physiotherapy. 2019 Mar;105(1):24-34. doi: 10.1016/j.physio.2018.07.002. Epub 2018 Jul 24. PMID: 30217494.
  • Sperstad JB, Tennfjord MK, Hilde G, Ellström-Engh M, Bø K. Diastasis recti abdominis during pregnancy and 12 months after childbirth: prevalence, risk factors and report of lumbopelvic pain. Br J Sports Med. 2016 Sep;50(17):1092-6. doi: 10.1136/bjsports-2016-096065. Epub 2016 Jun 20. PMID: 27324871; PMCID: PMC5013086.
  • Rath AM, Attali P, Dumas JL, Goldlust D, Zhang J, Chevrel JP. The abdominal linea alba: an anatomo-radiologic and biomechanical study. Surg Radiol Anat. 1996;18(4):281-8. doi: 10.1007/BF01627606. PMID: 8983107.
  • Gluppe SL, Hilde G, Tennfjord MK, Engh ME, Bø K. Effect of a Postpartum Training Program on the Prevalence of Diastasis Recti Abdominis in Postpartum Primiparous Women: A Randomized Controlled Trial. Phys Ther. 2018 Apr 1;98(4):260-268. doi: 10.1093/ptj/pzy008. PMID: 29351646; PMCID: PMC5963302.
  • Boissonnault JS, Blaschak MJ. Incidence of diastasis recti abdominis during the childbearing year. Phys Ther. 1988 Jul;68(7):1082-6. doi: 10.1093/ptj/68.7.1082. PMID: 2968609.
  • Carlstedt A, Bringman S, Egberth M, Emanuelsson P, Olsson A, Petersson U, Pålstedt J, Sandblom G, Sjödahl R, Stark B, Strigård K, Tall J, Theodorsson E. Management of diastasis of the rectus abdominis muscles: recommendations for swedish national guidelines. Scand J Surg. 2021 Sep;110(3):452-459. doi: 10.1177/1457496920961000. Epub 2020 Sep 28. PMID: 32988320; PMCID: PMC8551433.
  • Cunningham FG, et al. Maternal physiology. In: Williams Obstetrics. 24th ed. New York, N.Y.: The McGraw-Hill Companies; 2014.
  • Brunicardi FC, et al., eds. Abdominal wall, omentum, mesentery, and retroperitoneum. Schwartz’s Principles of Surgery. 10th ed. New York, N.Y.: McGraw-Hill Education; 2015.

Especialista em Cirurgia geral, de Emergência e Trauma, Cirurgia do Aparelho Digestivo e Coloproctologia, Hérnias e Cirurgia de Parede Abdominal e Videolaparoscopia

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Precisa de Ajuda?